quarta-feira, 11 de junho de 2008

Conheça alguns quilombolas


Muito mais que terra
Em seu lançamento, este site não poderia deixar de dar voz à representação da população atendida pelo Projeto Quilombos. Por isso, nossa reportagem foi conversar com o presidente da Federação das Associações dos Quilombos de Santarém e da Associação do Quilombo de Bom jardim, Dileudo Guimarães dos Santos. Aos 41 anos, ele é casado com Maria do Livramento Pinto Guimarães e, juntos, têm sete filhos (Irani, 25, Jorzionei, 19, Deudimar, 18, Estevão, 17, Dilena,16, Solivan, 15, e Arlan, 13).
Bisneto de escravos, Dileudo nasceu no próprio quilombo de Bom Jardim e conhece como poucos a realidade, os problemas e as lutas que fazem parte do cotidiano da população afro-descendente do norte do Brasil. Reclama da falta de agilidade na titulação das terras dos quilombos e do uso delas até mesmo por pessoas que não fazem parte dessa população, como fazendeiros. Mas Dileudo ressalta, principalmente, que as reivindicações dos quilombolas não se resumem à questão da terra, uma vez que é fundamental garantir aos quilombolas condições de saúde e educação e, acima de tudo, políticas de sustentabilidade e desenvolvimento. A seguir, a entrevista com Dileudo Guimarães dos Santos, realizada no quintal da casa dele.
Quando iniciou a organização do movimento negro quilombola em Santarém?
Dileudo – O marco foi um encontro de comunidades negras, realizado em Belém, em 1996, e organizado pela Malungu (Coordenação das Associações das Comunidades Quilombolas do Pará, que articula a criação das associações de quilombos e ajuda a fortalecer o dialogo entre elas e instâncias governamentais). De Santarém, foram representantes de seis comunidades negras: Tiningú, Bom Jardim, Saracura, Arapemã, Murumuru e Murumurutuba. O Elias Silva (militante do movimento negro quilombola que ajudou a organizar e integrar os quilombos de Santarém ao resto do estado) ficou sabendo do encontro e fez a articulação com as comunidades negras de Oriximiná, Óbidos, Alenquer, Monte Alegre e Santarém. Na volta, algumas pessoas começaram a organizar suas comunidades. Mas, como não tínhamos muito conhecimento, tivemos muita dificuldade devido à resistência de pessoas que não eram quilombolas e que moravam dentro das comunidades. As comunidades de Saracura e Arapemã saíram à frente das outras. Fomos tendo conhecimento da legislação que regulamentava o processo (de titulação das terras, que está tramitando no Incra). Nos reuníamos na Z-20 (Associação dos pescadores de Santarém), na praça, nas comunidades e em diversos lugares. Já no ano de 1998, aconteceu um congresso de comunidades negras, organizado pela Arqmo (Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná) e pela Pró-Índio (Comissão Pró-Índio de São Paulo –organização não-governamental fundada em 1978 que tem como beneficiários os povos indígenas e as comunidades remanescentes de quilombos do Brasil). Mas eu não fui. Somente Saracura e Arapemã participaram. O evento serviu para esclarecer as lideranças e dar linhas de organização. Após o Congresso, a Arqmo visitou nossas comunidades varias vezes e capacitou as lideranças. Fomos entender como funcionava o processo e ficamos mais seguro sobre a luta. Depois, fomos trabalhar para criar as associações. As primeiras foram a de Saracura e a de Arapemã, em 2002.


Qual a principal reivindicação dos quilombos?
Dileudo – A principal reivindicação é a titulação das terras. Mas outras questões acompanham a titulação, pois não vamos viver somente da terra. Queremos assistência do governo para produzir na agricultura, desenvolver nosso artesanato. Queremos educação, saúde e infra-estrutura para os nossos negros.
Quais os principais problemas enfrentados pelas Associações?
Dileudo – Um dos principais problemas diz respeito às pessoas que moram dentro dos quilombos e não são quilombolas. Elas emperram o processo de titulação. Não aceitam sair de nossas terras devido à produtividade. Eles acabam com a produtividade da terra usando produtos químicos no plantio. Isso pode tornar nossa luta inviável, pois quando adquirirmos a titulação das terras, elas podem não mais ser produtivas, e aí, nós vamos viver de quê? Já aconteceram, inclusive, ameaças de morte sobre as nossas lideranças. Outro problema diz respeito à inoperância do Incra e demais órgãos responsáveis pela burocracia sobre o nosso processo de titulação. O governo concedeu a eles a competência para titular, mas, junto com as atribuições, não veio o aparato necessário para agilizar e efetuar o processo. Antes, a competência era da Palmares (Fundação do Ministério da Cultura que, antes do Incra, era responsável pela titulação das terras dos quilombos). Essa lentidão dá oportunidade para que os fazendeiros se organizem e criem fortes frentes para deixar ainda mais lento o processo. Outro problema enfrentado pelos quilombos diz respeito ao aterro sanitário do Perema. Localizado próximo aos quilombos, ele contamina nossos igarapés e o Lago do Maicá. A água que desce do aterro cai no rio Maicá, que banha todos os quilombos. Ninguém toma providência quanto a isso. Vão esperar pessoas adoecerem ou morrerem para tomar atitudes.
Qual é a perspectiva em relação ao Projeto Quilombos?
Dileudo – É das melhores possível. Ele deve trazer coisas boas para nossos quilombos. Além disso, a discussão em torno dos impactos da pavimentação da BR-163 sobre nossos quilombos (assunto que o site abordará em breve) é pertinente e deve incluir nossas reivindicações no contexto nacional. É uma maneira também de precaver os problemas que podem nos afetar com essa gigantesca obra. Pode trazer também o governo para mais perto da gente. Sempre fomos esquecidos pelos governos federal e municipal. Nossas comunidades são muito próximas de Santarém, mas estamos abandonados.





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